13 de fev. de 2011

“Cisne Negro” e a dissociação da personalidade

Cisne Negro é um dos melhores filmes que já assisti. É daqueles filmes que precisamos assistir com o peito aberto, sem medo de experimentar as sensações que ele nos provoca. Porque ele atinge, e muito.

Entre vários aspectos interessantes da trama, Cisne Negro mostra como acontece o processo que Jung chamou de dissociação da personalidade.

Como já comentei em "Quando os outros incomodam", todos os lados que não aceitamos em nós mesmos ficam na sombra e por estarem reprimidos tendem a aparecer de forma descontrolada, com muita intensidade.

Nina é a personificação da bailarina: meiga, delicada, bonita e passiva. Ela busca obsessivamente a perfeição, mas como ninguém é perfeito a sombra tende a aparecer, por mais que ela tente escondê-la.

A protagonista é uma garota tiranizada pela mãe e pelo diretor do espetáculo, mas não consegue se defender pois dentro da sua personalidade não cabe a mulher agressiva e ativa, cabe apenas a menina meiga.

A jovem passa o filme lutando contra as suas unhas e as marcas que elas deixam nas suas costas, pois não consegue controlar a compulsão por se coçar. Esse sintoma parece ser a única forma da sua agressividade se manifestar mas Nina tenta reprimi-lo, cada vez mais, podando as suas garras com tesouras e lixas de unha.

É assim que acontece o movimento de autorregulação da psique, que busca compensar as nossas atitudes unilaterais. Quanto mais rigidez na consciência, mais descontrole no inconsciente.

Na busca por viver o Cisne Negro ela precisa entrar em contato com a sua sombra e em tudo que lá habita. Porém, por estar tão distante desses lados da sua personalidade acaba sendo tomada por eles. E se perde.

Por não ter familiaridade com a mulher transgressora e agressiva que vive dentro de si, Nina não consegue sair ilesa do flerte que iniciou ao buscar inspiração.

A agressividade que deveria estar sendo utilizada em sua legítima defesa está tão inconsciente que assume vida própria e acaba voltando contra si mesma.

Na luta contra a própria sombra, Nina não reconhece que a outra é ela mesma e que ao matá-la está acabando com a sua própria vida.

Triste, intenso, emocionante, Cisne Negro mostra como é importante buscar a proximidade e a familiaridade com todos os lados da nossa personalidade para não nos tornarmos vítimas daquilo que não aceitamos em nós mesmos.

7 comentários:

Philemon Consult disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Philemon Consult disse...

O filme é simplesmente fantastico e parece q foi feito por um junguiano, o q o torna melhor ainda. A luta dela com sua sombra e o aflorar desse contato ao longo do filme, o arquetipo da mae terrivel sufocando o lado mulher da Nina, o professor ajudando-a a aflorar seu lado negado atraves da sexualidade, a persona de menina meiga agarrada "à cara" e simbolicamente saindo ao tirar a pele do dedo no banheiro, o matar a si mesma na tentativa de matar seu lado negro e etc, fazem do filme uma verdadeira aula de Jung!
Ass: Rafaella

Karina Matos disse...

Nada como fazer uma boa análise ! rsrs. Vi o filme 2X e senti mais como um surto psicótico da personagem principal, porém a interpretação junguiana cabe muito bem.

meu blog: alicegatodecheshire.blogspot.com

Abraços. Karina Matos.

Flávia Scavone disse...

Karina, é isso aí. Um surto psicótico é uma dissociação da personalidade, onde o ego que está muito fragilizado é invadido pelos conteúdos do inconsciente. A Nina estava mesmo alucinando e por isso fica difícil diferenciar o que é surto e o que é realidade. Através da teoria nós podemos ler simbolicamente o conteúdo do surto e compreender o funcionamento da psique.

Unknown disse...

Fla eu fui assistir o filme ontem e nossa...fiquei umas duas horas meio chocada...sem falar muito. Adorei ler o seu texto sobre o filme. Beijao

Murilo Silva disse...

Flávia, achei muito interessante seu texto analisando o comportamento da personagem no Filme. No final de semana passado, tive a oportunidade de assití-lo e fiquei muito impressionado. A 6 meses atrás tive uma convulsão e atualmente sofro de transtorno de ansiedade, estou me tratando com um Psicólogo muito bom e ele me pediu para assistir a este filme e fazer uma analogia entre a personagem do filme e a minha vida (terminei ontem). Hoje, por curiosidade, resolvi procurar críticas sobre o filme e achei seu Blog que me ajudou bastante a identificar características da personagem que são similares a minha vida. Parabéns!

Anônimo disse...

Assisti o filme ontem por recomendação de profªs do Curso de Terapia Familiar Sistêmica Breve do qual participo,ainda estou digerindo,pois há muito o que observar,questionar,etc.Agradeço por ter encontrado esta postagem onde pude entender melhor o filme em questão,abçs